




DO RIO PARA O MAR
Menino das
águas, menino das tintas
Menote
Cordeiro foi um daqueles meninos banhados de rio. Na cidade onde nasceu,
Janaúba, norte de Minas, passava o Rio Gorutuba, subafluente do São Francisco.
Ali
parecia que a infância era também feita das pedrinhas do rio e dos peixes –
piabas –, que Menote nunca conseguiu pegar. Talvez nem quisesse: só olhar o
brilho deles furando as águas já era tão bom, eram pincéis se movendo e
despertando no menino o fascínio das cores multiplicadas pela luminescência das
águas. É verdade, os peixes não foram pescados, mas hoje habitam inúmeros
quadros do artista, saídos do mais fundo de sua história.
O
menino Menote originou um adolescente que passava horas dos seus dias colorindo
com lápis de cor. Do papel para a tela foi um pulo, e Menote desvendou por seu
próprio esforço e curiosidade os segredos da tinta a óleo. Foi assim que, aos
18 anos, montou sua primeira exposição, composta de 10 quadros óleo sobre tela.
Mas
a história continua. Sem renunciar à sua paixão pelo óleo, descobriu na
aquarela o surpreendente domínio do tempo da água. Um tempo em que mergulhou na
criação de identidades visuais para vários projetos culturais, já trabalhando
em Belo Horizonte.
Novas
influências, múltiplas referências e outras linguagens vieram desaguar nas mãos
do artista. Um grande parceiro surgiu: o computador. Mesmo encantado pela
precisão dessa novidade, Menote nunca abandonou o instinto que rege o desenho à
mão livre. Agora, é com uma caneta óptica que o artista desenha, pinta, colore,
executa sua arte e expressa seu fascínio pelos peixes, rios, árvores, mar e
música, sempre aberto à busca e descoberta de novas linguagens, materiais e
técnicas.
Um novo
norte: o viés da cultura
A sedução
do cinema, o namoro com a música e os diferentes temas dos projetos culturais
foram fonte de um prazer sempre renovado. O artista então produziu obras para a
Mostra de Cinema de Tiradentes e para o Festival Tudo é Jazz, quando ilustrou
alguns dos ícones da música internacional: Tom Jobim, Milton Nascimento, Billie
Holiday e Amy Winehouse.
Menote
desenvolveu ainda a identidade visual de diversos projetos institucionais, como
o Instituto de Preservação do Cerrado Brasileiro, sob a chancela da Unesco,
época em que dois de seus quadros foram enviados ao ex-presidente da União
Soviética Mikhail Gorbachev e mais um para o Conselho Mundial de Águas, da Unesco.
Menote participou com seu trabalho dos Diálogos da Terra – Fórum Mundial de
Desenvolvimento Sustentável, realizado em Belo Horizonte.
Para
o Ministério da Cultura, criou a identidade visual de seminários e encontros,
como o Seminário da Diversidade e o Encontro de Saberes. No lançamento do
projeto Eu Faço Cultura, o artista expôs painéis que representam a dança, a música,
o teatro e o cinema.
Na
sede da Rede Nacional de Paleontologia, há seis grandes painéis de Menote ilustrando
a preservação dos sítios paleontológicos brasileiros. É também do artista a
identidade visual do I Festival de Cultura Indígena, realizado em Paris.

Cor de música
A arte
de Menote tem uma forte ligação com a música. Para ele, seria ótimo desenhar ao
som apenas de pássaros e ventos, mas, como mora em uma cidade grande, essa
prática precisa ser adaptada. Fecha as janelas e cria a sua própria barreira de
proteção sonora ouvindo música. “A sensação que tenho é que a música
potencializa a minha capacidade de adentrar outros mundos.É como se a música
criasse o cenário de um ritual para o nascimento dos meus desenhos”, explica
Menote.
“Ouço
o mesmo repertório durante dias, enquanto busco na leitura e em pesquisas as
cores mais representativas para desenvolver uma obra. Com a paleta de cores
então definida, cada quadro tem sua profundidade. E, uma vez submerso, as
inspirações vem como ímãs”, conclui o artista.
Divinamentos, Peixes e Calendas
Arte
e espiritualidade caminham juntas na obra de vários artistas desde o começo dos
tempos. E com Menote Cordeiro não é diferente. A primeira referência da fé de
Menote foi o chão da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Janaúba. Ele diz
que não entendia o que o padre falava e preferia se deleitar com o desenho dos
azulejos do piso.
Filho
de mãe católica, Menote sempre reconheceu nas imagens dos santos e santas um
canal de elevação. Em sua trajetória artística, figuram como primeiras
epifanias a série “Imaculado Coração de Nossa Senhora de Janaúba”, “Nossa
Senhora das Boas Lembranças” e “Nossa Senhora do Rosário e eu”. É o divinamento
da imagem da mãe de família mesclada com a própria terra natal – Janaúba.
Por
outro lado, o tempo também se configura como um tema recorrente. Para Menote
Cordeiro, tentar capturar a alma dos dias é uma forma de peregrinar pelo
calendário com olhar novo, de novo, celebrando assim, de alguma maneira, a
fugacidade do tempo: se o tempo passa, vamos celebrá-lo com imagens que o
eternizam – calendas do nunca mais.
Da
mesma forma, o peixe é um tema sempre renovado nos quadros de Menote. É a água
onipresente, pois peixe e água se misturam, inseparáveis. O rio volta a correr,
as águas viram mar: e lá estão os peixes outra vez, como se passassem de um
quadro para o outro, nadando em um curso líquido ininterrupto – o inconsciente.
É
desse inconsciente que surge também o tema das árvores. Como Menote costuma
dizer, "as árvores e seu incansável desejo de estabelecer contatos".
É o silêncio das raízes debaixo da terra, evocando nossa ligação com um tempo
de memória e, por outro lado, são os galhos voltados para o alto buscando o sempre novo, a eternidade.